Quando me mandavam arrumar o quarto para mim era sinônimo de
perder horas e mais horas jogando papel e outras tranqueiras no lixo e deixar
de fazer alguma coisa mais legal. Por outro lado, minha arrumação era meio de
relembrar coisas que já estavam esquecidas, e esse meio tempo foi ficando cada
vez mais raro enquanto eu crescia, já que minha mãe dava um jeito de juntar
tudo e esconder de uma forma que eu nunca conseguiria achar de novo. Só que
hoje eu tive a obrigação de arrumar o quarto e me deparei com lembranças e mais
lembranças.
O curioso do quarto é que ele é o lugar da casa que mais guarda segredos e histórias não visíveis a qualquer um. A gente abre a gaveta e joga um amor, abre uma caixa e revive umas cenas que a gente nem lembrava mais. Arrumar o quarto é meio que se atracar com o seu passado num estado de amor platônico. Você ri do nada e sua mãe te olha com uma cara meio desconfiada. Você encontra rostos conhecidos e alguns que se perderam por aí faz tempo. O coração aperta, não aperta? São letras de mãos que contam mais que histórias: contam quem você é, foi ou deixou de ser de alguma forma. A composição do meu guarda-roupa é meio que assim: passado, presente, futuro e o que eu nunca vou deixar de esquecer.
A parte divertida de você relembrar de tudo é que você se
analisa, vê o que mudou depois de tempos. Eu esbarrei numa foto minha com minha
prima e percebi de cara que tava dando importância a coisas de pouca insignificância.
Reencontrei um ex-namorado e ele vai bem. A cara de angústia dele já estava ali
e a gente é que não via. Senti vontade de ligar para alguns amigos e é
exatamente isso que você deveria fazer quando sentisse essa vontade. Deixei pra
lá e a saudade bateu de novo. Se você agarrar a saudade na hora que ela vem,
não é tão piegas assim. Saudade presa é que é brega. Mas o dia passou e as
coisas foram se separando e as coisas estavam indo pra seu devido lugar. Daí é
que eu percebi que além de se deparar com lembranças, o quarto também e o meu porto
de saudades.
Engoli em seco as lembranças quando fechei as gavetas. E
você deve se perguntar o porquê disso, não é? É que além das tranqueiras e
fotos velhas que não tinham mais valor, eu jogava fora coisas que um dia foram
importantes. Ou que ainda eram importantes e necessárias. E isso tudo me fez
pensar naquele velho papo de que a gente precisa descartar o excesso, o que não
nos serve mais, o que não é necessário pra ser feliz. E se uma caixa daquela me
fizesse feliz ainda por algum motivo bobo? Uma caixa cheia de bonecas poderia
servir de decoração em um novo lar ou algo do tipo. Mas é que a gente tem que
deixar ir. Todo novo ciclo pede uma entrada e uma renúncia. E a gente renuncia
todo dia, toda hora, todo momento. Não só para ciclos longos, mas pra quando a
gente acorda e vai dormir. A gente abre mão do sofá porque tem que ir estudar e
da TV à noite porque o corpo pede calma. A gente renuncia o mundo com carinho
porque sabe que cada gaveta que vai embora é, no mínimo, um aprendizado. Ou uma
saudade gostosa da gente mesmo. E daí, você sente uma nostalgia gigante, que o
seu quarto oferecia e se pergunta se a bagunça inconsciente que se acumula dia
após dia não é uma vontade nossa, bem sincera e honesta, de nos obrigar a abrir
as portas, as gavetas e analisar a vida de vez em quando. As histórias
vão, mas a gente fica. Fica mais forte e mais nostálgico. Mais saudosa e mais
notável também. As histórias vão embora, mas isso tudo fica.
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